Este janeiro trouxe também enorme movimentação ao mundo e consequentemente ao agro. Aparentemente temos tido uma grande surpresa por mês, se olharmos os últimos. Irã, acordo China x EUA, Coronavírus, entre outros, vão aparecendo e exigindo a nossa capacidade analítica para os prováveis impactos. Vamos a eles!

Foi divulgada a fase 01 do acordo EUA-China, estipulando no agro que as compras da China crescerão US$ 32 bilhões em dois anos, ou US$ 16 bilhões em média ao ano (seriam US$ 12,5 bilhões neste e US$ 19,5 bilhões no próximo). Isto, considerando as compras de US$ 24 bilhões anuais antes da crise, levaria o número a US$ 40 bi/ano. Se a China seguir a meta de importações do agro americano, poderá estar praticando discriminação comercial, e pode ter problemas na OMC.

Além disto, muitas empresas chinesas de alimentos se transformaram em multinacionais neste período, como exemplo a COFCO. Interferências governamentais na cadeia de suprimentos destas empresas podem comprometer sua competitividade num mundo onde a construção de margens é a lei. Enfim, muitos artigos que li mostram ceticismo em relação a este acordo, uma vez que os objetivos de cada país são muito mais estratégicos e de longo prazo. Para os esperados impactos negativos ao agro brasileiro a dimensão dos danos pode ser bem menor que a imaginada.

Em relação à peste suína africana, seus danos seguem avançando. A produção de suínos na China em 2019 foi a menor em 16 anos, com um total de 42,5 milhões de toneladas (21% menor que 2018). O pior é que foi detectado um caso de infecção de peste suína africana a 12 km da fronteira com a Alemanha, o maior produtor europeu de carne suína. As questões importantes hoje nas proteínas são a velocidade de recuperação da produção chinesa de suínos, que deve levar pelo menos dois anos. E para complicar mais ainda o mês, foi registrado um caso de Influenza Aviária na província de Hunan, com abate de quantidade considerável de aves. Se isto se espalhar o quadro muda radicalmente para pior.

A crise com o Irã, que poderia resultar em guerra e aparentemente tumultuar os importantes negócios do Brasil no Oriente Médio sumiu do radar com os problemas mais recentes do Coronavírus, com o processo de impeachment nos EUA e agora com as eleições. Resultados no Iowa mostram que Bernie Sanders larga na frente. Na minha humilde leitura, nada melhor para Trump do que enfrentar a polarização e Sanders é aparentemente o mais à esquerda dos Democratas. Aliás, o Presidente Trump não pode reclamar do Brasil. O saldo comercial a favor dos EUA pulou de US$ 7,7 bilhões para US$ 11,3 bilhões, considerando dados até novembro de 2019. Os EUA ocupam 17% da pauta importadora do Brasil e o Brasil 2,5% das exportações dos EUA.

No Brasil, o mais recente Boletim Focus trás que as projeções para o IPCA recuaram de 3,47% para 3,40% para este ano, e permaneceram em 3,75% para 2021, mesmo com a recente desvalorização do câmbio. Para o PIB estimam 2,31% em 2020 e 2,50% no próximo. A taxa de câmbio para dezembro aumentou de R$/US$ 4,05 para R$/US$ 4,10, e fica em R$/US$ 4,05 para 2021. Já a Selic deve cair ainda mais, para 4,25% no final deste ano e 6,00% no final do próximo ano.

Foram muito bem em Davos o Ministro Paulo Guedes e os representantes do Brasil, mostrando que estamos em outra direção e acelerando. Apenas desnecessários os escorregões na área ambiental, que mesmo sendo mal compreendido fez estragos, e em sugerir impostos para açúcar e outros produtos. Este Governo entrou para cortar gastos e impostos, e não o contrário. Importante também a criação de um Conselho para a Amazônia e a presença do experiente Vice-Presidente neste time. Nossa agenda mais importante neste ano onde aparentemente tudo joga a favor, é na questão ambiental, pois aí está o maior risco. O plano para combate às queimadas em 2020 deveria ser publicado e pode receber contribuições do mundo todo, num fórum digital. Não podemos repetir 2019.

A produção vem vindo muito bem. A nova estimativa da CONAB levou a safra 2019/20 de grãos para 248 milhões de toneladas, 2,5% maior que a anterior. Clima, crédito, área e produtividade são os 4 fatores apontados. A área chega a 64,2 milhões de hectares (1,5% maior) e produtividade média ficou 1% maior, em 3.864 kg/ha. O milho deve ficar em 98,7 milhões de toneladas, 1,3% menor que a última safra. Espera-se redução de 3% na segunda safra, devido aos riscos climáticos. Algodão tem aumento de 1,1%, chegando a 2,8 milhões de toneladas de pluma. Não podemos ter problemas de clima na segunda safra!

Na carona destes números, a nova estimativa do Valor Bruto da Produção é de R$ 674,8 bilhões, 7% acima do ano passado, que foi de R$ 631 bilhões. Nas atividades agrícolas aumentou em R$ 23 bilhões, para R$ 430,1 bilhões, e nas atividades pecuárias R$ 244,7 bilhões, R$ 16,3 bilhões acima.

A expectativa de uma produção recorde de soja, chegando perto de 125 milhões de toneladas, pode atuar no sentido de pressionar os preços. Aparentemente o Mato Grosso vai compensar a perda no Rio Grande do Sul devido ao clima. Hoje a soja brasileira continua mais atrativa na China, com a tarifa de 25% aplicada à americana. Chegamos a praticamente 35% da produção mundial de soja e 50% do comércio, é incrível a história da soja. Estimativas apontam que o custo do transporte usando a melhoria logística já proporcionada no Brasil está entre 15 a 20% menor.

Ponto positivo em janeiro foi a missão do agro brasileiro na Índia. Em 2019, vendemos a este país US$ 676 milhões, liderados por óleo de soja, açúcar, algodão, feijão, pimenta, óleos essenciais, suco e milho. Considerando o potencial deste mega mercado no futuro, é fundamental construir as pontes empresariais e melhorar o ambiente institucional para as trocas, e estimulá-los a fazer etanol e tirar açúcar do mercado mundial. Parabéns à Ministra Tereza Cristina e ao time do MAPA e APEX.

Antes de fechar o artigo com os cinco fatos do agro de fevereiro, um deles, como não poderia deixar de ser, é o Coronavírus, e este merece uma atenção especial.

Minha análise agora no final de janeiro sobre os impactos do Coronavírus no agro resumo nos 6 pontos a seguir:

1 – Qual o tamanho da infecção? A SARS levou nove meses para ser controlada. Se por um lado hoje temos mais fluxos de pessoas, temos também mais tecnologia e o aprendizado com a crise anterior. A China demorou para comunicar e agir, mas depois entrou com força total. O mundo também aparentemente parece estar melhor preparado. A menos que sejamos surpreendidos com algo novo na contaminação, acredito que ela poderá ser menor e controlada mais rapidamente.

2 – Qual o tamanho da desaceleração econômica?  Creio que vai depender muito das medidas do Governo da China para compensar a perda de negócios e fechamento temporário de atividades, que mais uma vez, dependem da primeira pergunta. Pacotes de estímulo já sendo desenhados.

3 – Onde a desaceleração econômica impacta mais?  A desaceleração impacta mais no setor de serviços, como turismo, transportes, entretenimento, restaurantes e outros. É o primeiro a ser limitado e a ser cortado, seguido de bens industriais, cuja compra pode ser postergada.

4 – Quais os impactos nos alimentos?  A alimentação é a última coisa a ser cortada por uma família com restrições de renda, e nesta, primeiro sofrem os produtos mais supérfluos, como sobremesas e outros, e por último os mais básicos, que é onde entra a pauta exportadora do Brasil.

5 – Restrições aos fluxos de produtos na China podem atrapalhar suas cadeias de produção? Sim. Falta de ração ameaça a produção de frango em Hubei e outros locais. Depende também da pergunta 1. Chineses podem precisar importar mais devido a problemas de falta de ração e outras restrições, pois a prioridade é controlar o vírus, mesmo que tenha que se importar mais produtos congelados e seguros.

6 – Pode haver impactos comportamentais com a crise?  Sim, é preciso observar se com este problema, haverá alguma migração de consumo destes produtos mais exóticos (morcegos, cobras e outros) mais para produtos seguros, como são as carnes tradicionais de frango, bovinos e suínos. Pode haver também corrida para estoques destes e ações do Governo em importações emergenciais para suprir a demanda.

Li muitas análises negativistas, posso estar enganado, mas colocando no balanço as 6 questões acima, minha leitura hoje é que o coronavírus pode acabar sendo uma oportunidade às exportações do Brasil, principalmente das carnes?

Os cinco fatos do agro para acompanhar agora diariamente em fevereiro são:

1) Os impactos do Coronavírus nas exportações;

2) O andamento da nossa safra, das exportações e o comportamento do clima, principalmente na segunda safra de milho.  Além da nossa, acompanhar o andamento da safra na Argentina, que é um pouco menor que a do ano passado, mas maior que última estimativa.

3) China e Ásia: seguir notícias dos impactos da peste suína africana na Ásia nos preços e quantidades de carnes importadas do Brasil;

4) Efetivação do acordo comercial China e EUA e pressão nos preços dos nossos produtos;

5) O andamento das reformas no Brasil, com a retomada o crescimento e seus impactos ao agro e ao câmbio.

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Marcos Fava Neves é Professor Titular dos cursos de Administração da USP em Ribeirão Preto e da EAEASP/FGV em São Paulo. Especialista em  planejamento estratégico do agronegócio.

Acompanhe o canal da Credicitrus no Youtube e os vídeos de agro.

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